Nos últimos anos, país se afastou do papel de liderança que exercia

Nos últimos anos, a opção geopolítica de afastar o Brasil de fóruns multilaterais, a queda nas coberturas vacinais e até a propagação de desinformação por órgãos oficiais retiraram o protagonismo do país no campo das imunizações e da saúde global.

A avaliação é de pesquisadores que discutiram o tema na Jornada Nacional de Imunizações, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Recuperar essa voz ativa é um objetivo visto como prioritário pelo Ministério da Saúde, e especialistas apontam o país como um importante líder regional e um ator capaz de promover, de forma positiva, a “diplomacia das vacinas” – a negociação permanente pela ampliação do acesso global a imunizantes.

Integrante do grupo consultivo sobre vacinas da Organização Mundial da Saúde (Sage/OMS), Cristiana Toscano afirma que o Brasil tem uma experiência reconhecida na área, mas os últimos anos foram marcados por “um susto” quando se falava do país.

“Globalmente, o Brasil é visto como um país muito importante, porque tem uma liderança regional, um histórico e uma experiência na imunização que são reconhecidos. Mas também há quase um susto. ‘O que está acontecendo com o Brasil?’, e não é de agora, vem acontecendo ao longo dos anos”, conta a pesquisadora, que participa do monitoramento da Agenda de Imunizações 2030, que pretende salvar 50 milhões de vidas em todo o mundo com o avanço da vacinação.

A agenda foi pactuada em 2019 e tem tido dificuldade de avançar em objetivos como reduzir pela metade o número de crianças “zero dose” – aquelas que nunca receberam qualquer tipo de imunizante. Em vez de cair, o número aumentou de 13 milhões para 14 milhões de crianças entre 2019 e 2023. A pesquisadora conta que, nesses primeiros anos de caminhada do acordo multilateral, o Brasil fez mais parte dos maus que dos bons resultados.

“O Brasil ainda está entre os 10 países com maior número de crianças zero dose. A gente está contribuindo com esses números enormes”, lamenta.

Em entrevista à Agência Brasil publicada no início deste mês, a ministra da saúde, Nísia Trindade, disse que recuperar o protagonismo do Brasil e do Programa Nacional de Imunizações como referências é um dos objetivos do governo federal no plano internacional.

“Reconquistar as altas coberturas vacinais, em um segundo momento, pode voltar a nos colocar em uma posição de referência que nos faça contribuir mais no enfrentamento ao negacionismo e à hesitação vacinal. Nosso objetivo é voltar a ser exemplo para o mundo. Retomar essa posição de referência internacional e mobilizá-la na nossa cooperação com outros países, incluindo a vacinação, é nossa prioridade”.

Antivacinismo

A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Isabela Ballalai também percebeu uma mudança na imagem do Brasil nos fóruns internacionais que tratam de saúde global e pública. Integrante da rede de segurança das vacinas da OMS, ela lembra que essa virada está muito ligada à resposta do governo à pandemia de covid-19.

“Já no primeiro ano da pandemia, nas reuniões desse grupo, que eram online, eu entrava na reunião e me perguntavam: ‘você está bem?'”, conta ela.

Mais tarde, já em 2022, a médica estava entre os especialistas que tiveram dados pessoais vazados em grupos bolsonaristas após participar de uma audiência pública sobre vacinação pediátrica contra a covid-19, promovida pelo Ministério da Saúde. A pasta convidou e deu espaço equivalente a especialistas em imunização e militantes antivacinistas, que usaram o evento para propagar desinformação.

“Eles foram publicamente recebidos por autoridades”, lembra ela, que também resgata que uma nota técnica da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE) chegou a sugerir que a hidroxicloroquina tinha efetividade no combate à covid-19 e a vacinação não. “O antivacinismo é um movimento bastante politizado, mas aqui ele é 100% politizado. Os antivacinistas não podiam nada, eles não existiam”.

Memória e reparação

Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Global e Sustentabilidade da Universidade de São Paulo (USP), Deisy Ventura defende que, por mais incômodo que seja, não é possível simplesmente virar a página da pandemia de covid-19.

“Precisamos lembrar sempre do que aconteceu no Brasil nos últimos anos. Não podemos esquecer que entidades oficiais, páginas e perfis de governo divulgaram desinformação sobre a covid-19 e, inclusive, notícias falsas sobre a covid-19. Sabemos que agentes do Estado intencionalmente defenderam a ideia falsa de que poderia haver imunidade de rebanho por contágio e, com isso, expuseram a população brasileira a risco, e tivemos morte, adoecimento e sofrimento que poderiam ser evitados. Precisamos ter memória, precisamos buscar a verdade e defender a justiça e a reparação para que nunca mais algo desse tipo aconteça no Brasil”.

A especialista em saúde global defende que o Brasil deve retomar seu protagonismo no campo da imunização e ser um ator influente na “diplomacia das vacinas”.

CORREIO DO ESTADO. Pesquisadores defendem Brasil protagonista na “diplomacia das vacinas”. Disponível em:<https://correiodoestado.com.br/cidades/pesquisadores-defendem-brasil-protagonista-na-diplomacia-das-vacinas/420499/>. Acesso em: 23.Set.2023

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