François Bayrou é indicado como primeiro-ministro da França, mas crise política traz dúvidas sobre a sustentabilidade do cargo
O presidente da França Emmanuel Macron nomeou na manhã desta sexta-feira (13) François Bayrou para ser o novo primeiro-ministro do país, o quarto a assumir o cargo apenas em 2024.
Veterano na política francesa, Bayrou foi ministro da Educação entre 1993 e 1997. Após divergências com partidos de direita convencionais, em 2007 fundou o Movimento Democrático (MoDem), sigla de centro, pró-União Europeia, que apoia valores democráticos.
Bayrou concorreu à presidência da França em 2002, 2007 e 2012. Em 2017, apoiou a candidatura de Macron, ajudando a formar uma aliança entre o MoDem e o partido do presidente, Renascimento.
O líder do MoDem se tornou ministro da Justiça de Macron em 2017, mas deixou o cargo 35 dias depois após enfrentar uma investigação sobre suposto uso indevido de fundos parlamentares no Parlamento Europeu, que levou à sua renúncia ao cargo.
A ironia da atual situação política na França é que a troca de primeiros-ministros e a instabilidade do governo Macron são consequências de uma enorme confusão criada pelo próprio presidente.
Decisões de Macron
Em 9 de junho deste ano, Macron resolveu dissolver a Assembleia Nacional – o equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil – e convocou eleições legislativas antecipadas.
A decisão aconteceu depois que o partido de ultradireita Reunião Nacional (RN), liderado por Marine Le Pen, obteve quase um terço dos votos dos franceses nas eleições para o Parlamento Europeu, superando significativamente a aliança centrista de Macron.
O presidente fez uma aposta arriscada – considerada por alguns, suicida – para tentar reverter seu frágil apoio no Parlamento francês, onde seu campo de centro-direita tinha o maior número de assentos, mas não a maioria absoluta de 289 dos 577 deputados, o que dificultava o avanço de leis e projetos.
Mas as eleições legislativas de 30 de junho e 7 de julho foram um tiro no pé.
A coalizão de Macron passou do primeiro ao segundo lugar, atrás da Nova Frente Popular (NFP), o bloco formado por quatro partidos esquerda, que ficou com o maior número de assentos. A ultradireita liderada por Marine Le Pen chegou a vencer o primeiro turno, mas ficou em terceiro lugar em cadeiras após o centro e a esquerda se juntarem para barrar seus candidatos.
A NFP ficou com 182 assentos na Assembleia, o centro com 163 e a ultradireita quase dobrou o número de deputados para 143, no seu melhor resultado na França desde a Segunda Guerra Mundial.
O Reunião Nacional, partido de Le Pen, se tornou individualmente a sigla com maior número de assentos na Casa.
Segundo a Constituição francesa, cabe ao presidente escolher o primeiro-ministro, sem necessidade de validação dos parlamentares.
Mas por uma questão de convenção e legitimidade política, o presidente sempre indica um primeiro-ministro que representa o campo que tem a maioria na Assembleia.
Com a vitória do bloco de esquerda, esperava-se que o presidente indicasse um novo primeiro-ministro da NFP. Mas o presidente protelou a escolha, argumentando que apesar do maior número de deputados, o bloco não tinha maioria absoluta.
Ele defendia que um primeiro-ministro de esquerda seria derrubado e os partidos deveriam formar uma maioria ampla e sólida para governar.
Para opositores, Macron apenas buscava ganhar tempo, aproveitando-se da euforia das Olimpíadas, para angariar apoio à nomeação de um premiê da sua base de apoio.
Escolha de Barnier
Apenas em 5 de setembro Macron indicou Michael Barnier como o novo primeiro-ministro. O político conservador de 73 anos do partido Republicanos, de centro-direita, foi rejeitado pela esquerda imediatamente. E já se sabia que ele corria risco de ser retirado do cargo a qualquer passo em falso.
Logo no primeiro desafio que teve pela frente, Barnier caiu: a aprovação do Orçamento de 2025.
O premiê propôs um plano que incluía cortes de €40 bilhões nos gastos públicos e €20 bilhões em aumentos de impostos que mirava os mais ricos e as grandes empresas. O objetivo era reduzir o déficit das contas públicas de 6,1% do PIB em 2024 para 5% em 2025 e atingir a meta de 3% estabelecida pela Zona do Euro até 2027.
O projeto enfrentou oposição tanto da esquerda quanto da ultradireita, que criticaram as medidas de austeridade e os aumentos de impostos.
Sem apoio suficiente para aprovar o orçamento, Barnier recorreu ao artigo 49.3 da Constituição Francesa – o mesmo usado por Macron para passar sua impopular Reforma da Previdência – para aprovar o orçamento de 2025 sem o aval dos parlamentares. O artigo permite ao governo passar uma lei “à força”, sem a votação na Assembleia Nacional.
Em 4 de dezembro, a esquerda e a ultradireita então se uniram e aprovaram uma moção de censura contra Barnier, por 331 votos a favor, bem acima dos 288 necessários.
A moção é uma proposta apresentada pelos parlamentares para declarar que o governo perdeu a confiança da maioria legislativa e, se aprovada, obriga o premiê a renunciar
A última vez que um governo havia sido derrubado na França foi em 1962. Barnier se tornou o primeiro-ministro mais efêmero desde a fundação da Quinta República Francesa, em 1958, com um mandato de apenas três meses.
Indicado por ser visto como um político de perfil conciliador, por ser o responsável da União Europeia por negociar o Brexit, a saída do Reino Unido do bloco europeu, Barnier foi acusado de não ter dialogado e de se isolar do bloco de esquerda, que venceu nas eleições parlamentares, e do partido de Le Pen, o mais numeroso na Assembleia.
A queda de Barnier aprofundou a crise de instabilidade do país. Se um político que foi quatro vezes ministro, duas vezes comissário europeu e super negociador do Brexit não conseguiu apaziguar a situação, algum premiê será capaz?
Cenário político francês
O atoleiro político na França é mais um exemplo, dentre tantos no mundo hoje, de um país onde os partidos tradicionais de centro-esquerda e centro-direita se fragmentaram. Nas eleições presidenciais francesas, metade dos eleitores optou por extremistas no primeiro turno.
Com três grandes blocos na Assembleia e sem uma maioria absoluta de nenhum dos campos, a França corre o risco de viver um período de sucessão de governos minoritários, de curto período, que lutam para tentar aprovar qualquer coisa.
Macron poderia tentar dissolver mais uma vez a Assembleia Nacional para resolver o impasse, mas apenas a partir de julho, após um ano da última dissolução. Porém, as conversas com lideranças políticas no Palácio do Eliseu na última semana indicam que ele busca outra saída.
O presidente francês tenta convencer os parlamentares a não apresentar uma moção de censura sobre o seu novo premiê e, em troca, ele não dissolveria a Assembleia Nacional até o fim do seu mandato em 2027 – mantendo os parlamentares em seus cargos, sem a necessidade de novas eleições.
Sem qualquer garantia de que Macron conseguirá formar uma maioria, o governo recorreu a uma “lei especial” para impedir que o impasse sobre o Orçamento paralise a máquina pública.
A medida permite ao Estado continuar operando até 1º de janeiro de 2025 ao autorizar a arrecadação de impostos e permitir o endividamento temporário enquanto o novo orçamento não é aprovado.
Com o déficit em 6% do PIB e uma dívida que deve atingir 115% em 2025, a economia francesa precisa de um remédio amargo. Mas políticos extremistas seduzem eleitores vendendo ilusões.
De um lado, a direita promete austeridade sem considerar os impactos sociais, do outro a esquerda promete mais benefícios, sem levar em conta a sustentabilidade dos gastos.
Durante a reabertura da Notre-Dame, no último sábado (7), o presidente francês aproveitou seu momento de glória após ter cumprido a árdua tarefa de reconstruir a catedral em cinco anos para fazer uma analogia com seu próprio futuro.
Mas enquanto a joia gótica da França é vista como uma sobrevivente do tempo – que passou pela Revolução Francesa, ocupação nazista e um incêndio dramático -, Macron corre o risco de entrar para a história como um presidente quixotesco, que criou seus próprios inimigos, fabricou uma crise e jogou o país nos extremos.