Aqui está o texto da entrevista limpo, organizado e sem as interrupções de links ou legendas:
Fim de ano: tempo de celebração ou de ansiedade?
O fim do ano costuma ser retratado como tempo de celebração, balanços positivos e novos começos. Mas, para muitas pessoas, dezembro chega acompanhado de ansiedade, frustração e uma sensação incômoda de não ter feito o suficiente.
Metas não cumpridas, comparações constantes e cobranças sociais criam um terreno fértil para o desgaste emocional, especialmente quando o ano é visto como um ‘prazo final’ para tudo dar certo.
Para entender por que esse período mexe tanto com a autoestima e com a saúde mental, a reportagem conversou com Jucimara Zacarias Martins, psicóloga, mestre em Psicologia da Saúde e doutora em Psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica. Jucimara é docente no ensino superior, supervisora de estágios e conselheira do CRP14 (Conselho Regional de Psicologia da 14ª Região).
Nesta entrevista, ela explica por que o fim do ano intensifica cobranças internas, como a frustração afeta o corpo e o que fazer para não transformar janeiro em um novo ciclo de culpa.

Jucimara Zacarias Martins é doutora em Psicologia e professora de ensino superior, além de conselheira do Conselho Regional de Psicologia da 14ª Região. (Foto: Arquivo pessoal)
A Entrevista
Por que o fim de ano mexe tanto com a autoestima das pessoas? Jucimara Martins: O fim de ano pode ter a representação de fechamento de um ciclo para muitas pessoas. O ano de 2025 foi um percurso de muitos dias, semanas e meses que, para alguns, geram muitas expectativas e exigências para dar certo, refazer a vida e iniciar projetos. Ao chegar ao fim desse percurso, é natural realizar um balanço, mas nem sempre conseguimos ser tão realizadores e assertivos assim. Dessa forma, algumas pessoas apresentam mais tendência a vivenciar emoções negativas e crenças até distorcidas de desvalor, baixa autoeficácia, pessimismo, sensação de desamparo e até tristeza diante dessas percepções.
Existe um excesso de cobrança social para “dar certo” até dezembro? Jucimara Martins: Sim. Culturalmente, somos atropelados por uma série de pressões, entre elas, “eu preciso dar certo a todo custo até dezembro”, “resolver a vida em um ano”, “só serei feliz se eu realizar todos os meus sonhos”.
Metas não cumpridas significam fracasso pessoal? Jucimara Martins: Depende. As metas precisam ser olhadas num contexto que envolve o histórico de vida da pessoa, a fase do desenvolvimento em que se encontra — criança, adolescente, adulto ou idoso — e outros fatores presentes, como questões políticas, históricas, socioeconômicas, condições de saúde e contexto familiar. Também é preciso avaliar o quanto essas metas estavam alinhadas com os valores pessoais e com os reais limites, e não somente como resultado de expectativas fantasiosas, distorcidas ou impostas socialmente. As metas comunicam quem somos, como estamos e onde desejamos estar. Traduzi-las somente em sucesso é um reducionismo que nos limita e transforma a felicidade em produto, algo que pode adoecer. Elas precisam ser pensadas num processo reflexivo, generoso e contextualizado com necessidades, potencialidades e vulnerabilidades reais.
Por que comparamos tanto nossa vida com a dos outros nessa época? Jucimara Martins: A comparação é um comportamento gerado por pensamentos distorcidos que aprendemos sobre nós, os outros e o mundo. Esses pensamentos produzem interpretações dos fatos que fazem sentido somente para quem os vive, como uma lente que aumenta ou diminui os significados das experiências. Exemplos comuns são: “Todo mundo consegue e eu não”, “para mim é sempre mais difícil” ou “a vida do outro é melhor que a minha”. Essas comparações costumam desconsiderar processos e esforços individuais, sendo muitas vezes injustas, dolorosas e prejudiciais ao bem-estar psicológico.
O que acontece no cérebro quando vivemos frustração prolongada? Jucimara Martins: Períodos prolongados de estresse emocional e emoções desagradáveis podem desencadear prejuízos diversos. Eles vão desde dificuldades no ajustamento emocional, na adaptação às atividades cotidianas e nos relacionamentos, até a possibilidade de desenvolvimento de psicopatologias, como transtornos de humor e de ansiedade, além de impactos na saúde geral. Esses efeitos se intensificam quando a pessoa tem poucos recursos emocionais para lidar com frustrações, baixa habilidade de planejar e readequar demandas, pouco suporte social e tendência ao isolamento.
Estresse emocional pode virar dor física? Como isso acontece? Jucimara Martins: Estudos evidenciam que o estresse emocional não tratado pode gerar diversas condições relacionadas à saúde física e emocional. Pensamentos disfuncionais, emoções não processadas e comportamentos desadaptativos influenciam a produção de hormônios, neurotransmissores e níveis de tensão corporal. Isso pode resultar em sintomas somáticos, como dores musculares, cefaleia, problemas gastrointestinais, insônia, entre outros.
Como diferenciar frustração saudável de sofrimento psicológico? Jucimara Martins: Quando o estado de frustração passa a gerar prejuízos continuados na vida da pessoa, seja no trabalho, nos estudos, nos relacionamentos ou no cuidado consigo mesma.
Quando é hora de buscar ajuda profissional? Jucimara Martins: Quando a pessoa deseja se conhecer mais profundamente, repensar escolhas, organizar um projeto de vida aliado ao bem-estar psicológico ou quando o desconforto emocional persiste, com predominância de emoções desagradáveis que geram prejuízos para si e para os outros no dia a dia.
Como virar o ano sem transformar janeiro em um novo ciclo de culpa? Jucimara Martins: É fundamental pensar em um projeto de vida alinhado com quem você é e com a sua história. Construir uma vida que vale a pena ser vivida exige investimento emocional, cognitivo e de tempo, e é um processo contínuo, que pode levar anos. Para isso, é necessário rever objetivos, avaliar quais são realmente alcançáveis, compreender os recursos já disponíveis, buscar ajuda quando necessário e criar caminhos possíveis. Nesse processo, permita-se aprender, fortalecer conexões sociais, reconhecer limites e respeitá-los, sendo generosa ou generoso consigo e com os outros. Afinal, essa busca é coletiva, e podemos nos apoiar mutuamente.
