Esquema de corrupção tinha notas fiscais simuladas e fraude no sistema de estoque do Hospital

O Ministério Público Estadual entrou com ação civil de improbidade administrativa contra o ex-diretor administrativo e financeiro do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS) e outros três sócios da empresa Cirumed, por envolvimento em esquema de corrupção que teria desviado mais de R$ 12 milhões do Hospital Regional.

O grupo foi alvo da Operação Parasita, deflagrada em dezembro do ano passado. Conforme noticiado, à época o Grupo Especial de Combate à Corrupção (GECOC) e o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO) cumpriram 18 mandados de busca e apreensão.

Rehder Batista dos Santos, coordenador de Logística e Suprimentos e diretor Administrativo e Financeiro do HRMS, e os empresários Aurélio Nogueira Costa, Clarice Alovisi Costa e Claudenir Donizete Comisso, são apontados como os responsáveis pelo desvio de dinheiro destinado à saúde pública do Estado entre 1º de setembro de 2016 e 31 de outubro de 2019. 

Investigações revelaram que em um período de três anos foram emitidas 45 notas fiscais simuladas, com falsas vendas de produtos hospitalares. 

Entre os dias 3 de novembro de 2016 e 16 de dezembro de 2019, foram emitidas trinta e oito notas, que somadas tinham quantia total de R$ 12.014.362,10. Toda a verba desviada saiu dos cofres públicos de Mato Grosso do Sul, com atestado falso de recebimento de produtos que não foram entregues ao Hospital Regional de Mato Grosso do Sul.

“Segundo apurado, após a emissão das notas fiscais simuladas pelos empresários e o falso recebimento do material forjado diretamente ou por ordem do coordenador e diretor, Rehder Batista dos Santos, eram providenciados os pagamentos das Ordens Bancárias, meio pelo qual efetivaram odesvio de dinheiro público”, diz documento.

Para ocultar o desvio, após o falso registro do ingresso dos produtos, era operada a baixa simulada do estoque criado virtualmente.

“Essa baixa era feita mediante a transferência fictícia dos produtos médicos para local inexistente, ou que não era destinatário do produto; mediante a anotação falsa de remessa a setoresdo hospital que não utilizavam e/ou não recebiam os produtos; mediante atransferência, a título de ‘empréstimo’, para a própria fornecedora Cirumed; ou ainda simplesmente este estoque virtual era “zerado”, atribuindo-se o código decontagem/produto não localizado”, descreve processo.

Investigações realizadas no Hospital apontaram que não houve entrada dos produtos citados nas notas. Os servidores da Farmácia Central do Hospital (CAFH) informaram que toda a requisição de materiais hospitalares passa pelo local, e que além de não ter conhecimento dos itens, a farmácia também não tinha capacidade para armazenar todos os produtos citados.

“O Hospital Regional também destacou, após levantamento interno, que estes produtos jamais deram entrada naquele hospital público, e muito menos foram destinados ao uso dos pacientes”.

As baixas realizadas no sistema do HRMS teriam sido feitas pelo coordenador/diretor Rehder Batista dos Santos.

Empresa fornecedora não possuía os materiais

Em cumprimento a mandado judicial de busca e apreensão, as equipes detectaram que, na época, a empresa fornecedora, que sequer fabrica os materiais, não possuía os produtos que eram vendidos ao Hospital Regional, e os produtos que constavam em estoque para fornecimento não estavam em quantidade suficiente para indicar que a empresa de fato era fornecedora do HRMS.

Além disso, análise das notas fiscais de compra da Cirumed enviadas pela Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso do Sul (SEFAZ/MS), comprovaram que não houve aquisição desses produtos pela fornecedora, “demonstrando cabalmente a falsidadedestas revendas ao HRMS”.

“De todo o exposto, conclui-se pela não entrega dos produtosrelacionados nas notas fiscais acima ao HRMS, dada a inexistência deestoque ou aquisição, pela fornecedora, de quantitativo compatível com assupostas entregas”.

O Ministério Público concluiu que as revendas foram simuladas.

Quantidades 

Durante diligência no Hospital Regional, foi constatado que a quantidade de materiais adquirida era muito superior ao utilizado rotineiramente pelo Hospital.

No dia 1º setembro de 2016, por exemplo, a Cirumed emitiu nota de venda de 500 unidades de “cateter duplo J 7,0 – 25 a 30cm”; 1.370 unidades do produto “esponjahemostática gelatina absorvível 70x50x10cm” e 1.000 unidades/grama do produto “hidroxiapatita porosa absorvível” para o HRMS, devidamente paga. 

Em 12 de setembro, houve o falso registro do recebimento do produto no almoxarifado geral do Hospital. Em maio de 2017, oito meses após o ingresso simulado dos produtos no almoxarifado, foi registrado o falso movimento de saída dos produtos para o Centro Cirúrgico, com finalidade de abaixar o estoque virtual.

No entanto, uma das funcionárias do Centro Cirúrgico do Hospital relatou ao Ministério Público que a quantidade de materiais informada não caberia no local, que é bem pequeno.

“O estoque de Esponja hemostática gira em torno de 15, e jamais caberiam 1.200… O estoque de Cateter duplo J é de 10, e também não caberiam 500 unidades”, afirmou.

A funcionária também destacou que a quantidade não condiz com a demanda. O Cateter duplo J tem média mensal de consumo de 12 unidades; a Esponja hemostática tem consumo de no máximo 8 unidades por mês, já que o uso “é bem restrito, não é para qualquer tipo decirurgia”, como diz o documento.

Foram detectadas fraudes nos setores de Clínica e Centro Cirúrgico; Ambulatório e outros; CTI, Cardiologia e outros; Endoscopia e Imagem; Nefrologia, Hemodiálise e outros; Quimioterapia; UTI Neonatal, Pediatria e outros; Maternidade, Oncologia, Centro Cirúrgico e outros.

Empresários

Aurélio Nogueira Costa, Clarice Alovisi Costa e Claudenir Donizete Comisso foram apontados como os responsáveis por forjar as notas fiscais.

Claudenir Donizete é sócio minoritário da Cirumed, empresa beneficiária direta dos desvios, e também figura como sócio de Aurélio Costa em outras empresas.

Segundo as investigações, ele é o braço direito do casal (Aurélio e Clarice Costa), e atua como gestor administrativo da Cirumed, sendo o responsável pela manipulação dos estoques e falsidades, além de receber parte do dinheiro desviado do HRMS.

Além disso, a casa de alto padrão onde Claudenir reside foi adquirida em nome do casal.

Clarice Alovisi Costa é proprietária de uma outra empresa localizada no mesmo prédio em que a Cirumed, chamada RCA Saúde, Comércio e Representações Ltda., que atua no mesmo ramo.

Na Cirumed, Clarice é responsável pelo controle financeiro, ou seja, está diretamente ligada com a gestão de recebimentos do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul.

“Amizade”

Conforme aponta o Ministério Público, foi constatada relação de proximidade entre os empresários e o agente público Rehder Batista. 

Após afastamento do cargo determinado pela Justiça, Rehder chegou a receber áudios de Aurélio Costa, em que o empresário mostra preocupação e chega até a oferecer apoio financeiro. Em uma das mensagens, ele até lembra Rehder da “safadesa” que é a “licitação pública”, e complementa com “isso tudo que você sabe como é”. 

Também era comum que os quatro mantivessem contato, inclusive em encontros na residência do casal.

O trio chegou até a realizar viagens internacionais, e várias fotografias divulgadas em redes sociais comprovam a relação de proximidade entre eles.

Ressarcimento

O Ministério Público Estadual solicita liminar para indisponibilidade dos bens dos acusados, no valor de R$ 12.014.362,10.

Caso condenados, os denunciados devem perder os bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 anos.

CORREIO DO ESTADO. Ministério Público denuncia ex-diretor e empresários por desviarem R$ 12 mi do Hospital Regional. Disponível em:<https://correiodoestado.com.br/cidades/ministerio-publico-denuncia-ex-diretor-e-empresa-por-desviarem-r-12/418074/>. Acesso em: 28.Jul.2023.

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