Safra do grão em Mato Grosso do Sul será de 2 mil toneladas em 2023. Busca por alimentação mais saudável aquece a cadeia produtiva do girassol
Poucas pessoas têm o privilégio de dizer que mobilizaram uma multidão através do seu trabalho. Em Mato Grosso do Sul, o produtor rural João Carlos Stefanello pode espalhar esse feito aos quatro ventos. Agrônomo e proprietário da Fazenda Cinco Estrelas, ele é responsável por impactar Campo Grande com seu cultivo de quase 400 hectares de girassol. Nesta reportagem especial você vai entender que além de cenário para a foto perfeita que encantou os campo-grandenses nas últimas semanas, o girassol é uma cultura versátil que ‘limpa’ o campo e alimenta com saúde.
Os campos de girassóis que viraram atração turística ficam a menos de 40 minutos do Centro de Campo Grande, na BR-060. A lavoura de João Carlos representa quase a metade de toda a produção do grão em Mato Grosso do Sul.
Só para a safra de 2023 a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) estima que o Estado deve colher 2 mil toneladas de girassol. A fazenda Cinco Estrelas deve ter uma produção superior a 800 toneladas neste ano. A produtividade por hectare do grão em Mato Grosso do Sul é maior que a média nacional. Por aqui, cada hectare produz 2 mil quilos, no Brasil a média por hectare é de 1,5 mil quilos.
Natural do Rio Grande do Sul, o agrônomo João Carlos pisou em Campo Grande pela primeira vez em 1971. Na época, o trabalho o trazia para a Capital, mas anos depois decidiu escolher a cidade como lar. No início dos anos 80 adquiriu a Fazenda Cinco Estrelas e naquela época não imaginava que sua terra estamparia capas de jornais e centenas de fotos cidade à fora.
O plantio do girassol na propriedade começou em 2016 em mais um processo de rotatividade de cultura para melhor aproveitamento e recuperação da terra. Dois anos depois, o tesouro escondido foi descoberto por ciclistas que fazem dali rota para trilhas. Em 2018, a plantação de girassol virou cenário para vários ensaios fotográficos.
Mas foi neste ano, em 2023, que a visitação de campo-grandenses se multiplicou para níveis que João Carlos, aos 68 anos, e a família até agora custam a acreditar. No feriadão da Independência, segundo estimativas do fazendeiro, mais de 2 mil carros circularam na área. Ele estima que pelo menos 6 mil pessoas tenham visitado o campo de girassol em um único dia
“Nós estamos sem palavras, é uma onda de encantamento que não imaginávamos. Estamos muito felizes de ver tanta gente que vem de bicicleta, de van, de carro simples, de caminhonete, de todos os cantos do Estado para apreciar nossos girassóis”, conta.
A busca por culturas alternativas levou João até o girassol, que tem entre seus desafios a comercialização em um mercado diferente de outras commodities. Ao contrário da soja e do milho, que têm venda certa e em grande quantidade para compradores fixos, no caso do girassol as vendas dependem de um processo detalhado de negociação. Atualmente, a Fazenda Cinco Estrelas comercializa o grão, que é estocado na propriedade por até dois anos, para indústrias de todo o Brasil, mas principalmente para Goiás e Mato Grosso, que possuem moedoras que retiram o óleo da semente.
De cara, o trabalho para vender o grão pode assustar, mas João Carlos explica que o custo de produção do girassol está inferior ao milho safrinha, por exemplo. “Este ano o girassol está muito melhor que o milho. Ele tem uma possibilidade boa de lucro porque o preço é melhor que o de outras culturas e o custo de produção por hectare é menor”.
Responsável pela metade da produção estadual do girassol, o produtor é um entusiasta do grão, mas expõe o que ainda é necessário para a difusão da cultura em Mato Grosso do Sul e no Brasil. “Precisamos de vontade política e um programa de pesquisa de médio e longo prazo permanente focado na produção do girassol. O agricultor precisa de um respaldo para investir e buscar técnicas novas”.
Da foto perfeita à integração com o agro
Diante de tanto sucesso, o agrônomo viu no interesse dos moradores pela flor amarela que segue o sol uma oportunidade para promover integração da sociedade com o agro. Ele aproveita cada contato com as centenas de pessoas que vão na fazenda todo o fim de semana para ensinar sobre o ciclo de cultivo do girassol e a sua importância para a melhora na alimentação do brasileiro.
“Aconteceu um fenômeno muito interessante. As pessoas passaram a perguntar mais sobre o girassol, muita gente não entendia que da flor vinha a semente que vira comida de passarinho e até óleo comestível com propriedades nutritivas excelentes. Eu comecei a passar esse ensinamento para frente, essa integração do urbano com o agro é algo sensacional que nos surpreendeu muito”.
O que mais chama atenção do agricultor e da família é a diversidade de pessoas que passaram a se interessar pelo cultivo do girassol. “É gente que vem, é gente que vai e esse intercâmbio é maravilhoso porque a pessoa traz as tristezas dela, enche a alma de alegria e vai embora plena. Com certeza deixa uma energia muito boa aqui para nós e no momento isso nos basta”, completa João Carlos.
E quem deixou um pouco de boa energia na lavoura foi a psicóloga Mariana Moraes, moradora de Campo Grande. Ela saiu do bairro Tiradentes e percorreu quase 40 quilômetros para viver uma experiência entre as grandes flores amarelas.
“Estou encantada, viemos contemplar e ver o quanto o homem pode contribuir com a natureza para a gente aproveitar essa riqueza. O girassol representa vida e queremos contribuir para passar essa informação para as pessoas, que devemos preservar e valorizar essa riqueza”.
Agora que você entende o impacto da plantação de girassol na vida do campo-grandense, vamos iniciar uma imersão sobre o cultivo, os desafios da cultura e as possibilidades de uma planta versátil que produz um tesouro para a saúde.
Confira mais sobre a plantação de girassol em Campo Grande no vídeo abaixo:
Negócio de oportunidade, girassol virou até biocombustível
Um dos principais nomes do Brasil quando o assunto é a pesquisa do grão, a doutora em Agronomia e pesquisadora da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Soja, no Paraná, Regina Campos Leite também é uma entusiasta do cultivo do grão, que depois de colhido tem a semente destinada para consumo humano e animal. A semente também pode passar por um processo de moagem de onde resulta o óleo comestível e o que resta vira farelo usado para ração animal.
A pesquisadora explica que o girassol é uma cultura rentável e opção para o produtor na entressafra, ou seja, ao final da colheita da soja. Geralmente os produtores colhem a soja até o mês de fevereiro e a partir daí iniciam o plantio do girassol, que tem um ciclo de produção de até 120 dias e é colhido entre o mês de junho a agosto.
O que torna o grão atrativo é a resistência do girassol frente às condições extremas do clima, como a estiagem e a baixa umidade. “O girassol é ideal para entressafra porque ele aproveita as últimas chuvas do verão no momento que é plantado e depois é colhido em um clima bastante seco, que outras culturas têm dificuldade de se manter”.
Regina Leite detalha que o Brasil já viveu épocas de mercado bem mais aquecido. Em 2006, por exemplo, o país plantava 150 mil hectares de girassol, o que representou uma produção de mais de 225 mil toneladas do grão. Nesse período, o país investia em estudos de biocombustível a partir do girassol. Experimentos que envolveram até a Petrobras prosperaram e até tratores se moviam gerados a óleo de girassol, no interior de São Paulo.
No entanto, com o avanço das pesquisas, ficou comprovado que a nobreza e qualidade do óleo de girassol para alimentação humana e até animal eram barreiras para que o líquido fosse queimado em motores de veículos.
“Concluímos que seria até uma heresia usar como combustível um produto tão nobre e com excelentes propriedades para a saúde. Para isso, temos óleo de soja que se mantém como uma boa opção para biocombustível”.
A nobreza do grão composto 45% por óleo
A partir daí, o mercado interno se especializou na produção de girassol voltado à indústria alimentícia e o subproduto, como o farelo que tem alto teor de proteína, para produção de ração animal.
“O Brasil não é autossuficiente em óleos e importamos principalmente da Argentina. Com isso, o mercado de óleos vegetais se tornou o principal destino do girassol, muito porque 45% do grão é composto por óleo, é muito rentável neste sentido”, explica a pesquisadora.
Atualmente, o girassol tem lavouras de expressão no Mato Grosso e Goiás, e são nestes estados que estão implantadas as indústrias que compram os grãos produzidos em Mato Grosso do Sul, fazem a moagem para a retirada do óleo e o restante vira farelo para ração animal. Além do envase do óleo para venda direta ao consumidor, o produto também é usado pela indústria na fritura de alimentos, devido às atrativas propriedades nutricionais do girassol. Você vai conferir mais sobre isso em outro trecho desta reportagem.
Entre os trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo Temático do Girassol, grupo da Embrapa do Paraná que pesquisa o grão, está o melhoramento da cultura, que busca redução no tempo de germinação e maturação da planta, proporcionando ciclos mais precoces de cultivo. Além disso, melhorar a qualidade do grão também é um dos objetivos dos pesquisadores.
“Alta produtividade, alto teor de qualidade e ciclos mais precoces são os nortes do nosso trabalho com o melhoramento do girassol. A gente espera que cada vez mais a beleza do girassol seja traduzida em produtividade e rentabilidade para o produtor”.Regina Campos Leite, pesquisadora da Embrapa Soja.
MIDIAMAX. Onda amarela que mobilizou multidão, girassol movimenta o campo e alimenta com saúde em MS. Disponível em:<https://midiamax.uol.com.br/especial/2023/onda-amarela-que-mobilizou-multidao-girassol-movimenta-o-campo-e-alimenta-com-saude-em-ms/>.Acesso em: 21.Set.2023