A defesa dos agora inocentes pelo crime conhecido como Caso Evandro afirmou que pedirá na Justiça indenização na esfera cível nas próximas semanas.
Na quinta-feira (9), desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) concordaram, por maioria de votos, a revisão criminal relativa ao crime. A maioria da Corte entendeu que os então condenados foram torturados para fazerem uma falsa confissão.
Na prática, a decisão significa que todas as pessoas condenadas no processo que apurou a morte do menino Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, no litoral do Paraná, são inocentes.
“O tribunal já reconheceu o direito à indenização. Vamos estudar e fazer o pedido nas próximas semanas”, informou o advogado Figueiredo Bastos.
O advogado informou que vai, ainda, estudar os parâmetros e determinar os danos para, então, formalizar com o pedido da indenização. Ele ainda não sabe quanto os ex-condenados irão pedir na Justiça em reais.
Em 1992, Evandro Caetano, de seis anos de idade, sumiu no trajeto entre a casa onde morava e a escola, e foi encontrado morto com sinais de violência. Sete pessoas foram acusadas pelo crime e quatro foram condenadas.
A revisão criminal
Por 3 votos a 2, os desembargadores anularam o processo de Beatriz Abagge, Davi dos Santos Soares, Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula Ferreira – falecido em 2011. Veja a seguir quem são eles.
A revisão criminal serve para reanalisar um caso no qual o réu entende que foi condenado de forma injusta.
Ela pode ser solicitada em quatro casos: quando a condenação foi contrária a uma lei, quando a condenação foi contrária a uma evidência dos autos, quando a condenação foi fundada em uma prova falsa, ou quando houver uma nova prova da inocência do condenado.
Os desembargadores Gamaliel Seme Scaff, Adalberto Xisto Pereira e o desembargador substituto, juiz Sergio Luiz Patitucci, votaram a favor.
Os magistrados chegaram a essa conclusão após fitas de áudio com os indícios de tortura se tornarem públicas na série documental O Caso Evandro, da Globoplay. Os materiais forma obtidos pelo jornalista Ivan Mizanzuk.
Segundo o TJ-PR, os desembargadores Miguel Kfouri Neto e Lidia Maejima votaram contra por entenderem que as fitas precisariam ter passado por perícia.
Não cabe recurso da decisão. Com isso, todos os condenados podem pedir uma indenização na esfera civil.
Por meio de nota, o advogado Antonio Figueiredo Basto, que defende os agora inocentados, afirmou que “hoje, a justiça foi feita”. Além disso, destacou o trabalho do jornalista Ivan Mizanzuk.
“O julgamento de hoje é uma lição para o presente e para o futuro. Os Desembargadores Adalberto Jorge Xisto Pereira, Gamaliel Seme Scaff e Sérgio Luiz Patitucci fizeram história ao deixar claro que a tortura não será aceita como método de investigação”, afirmaram, fazendo referência aos desembargadores que votaram favoráveis a revisão.
O g1 procurou o Governo do Paraná e o Ministério Público do Paraná (MP-PR) sobre o caso, mas, até a última atualização desta reportagem, não teve resposta.
Fitas
Em agosto, os desembargadores decidiram permitir que gravações com indícios de que os réus foram torturados por policiais fossem usadas como provas no julgamento da revisão criminal do caso.
As gravações indicam que os réus confessaram os supostos crimes mediante tortura e recebendo instruções para a confissão.
As fitas com as gravações estavam nos autos do processo desde a época da condenação, porém, a versão utilizada para incriminar os réus não tinha os trechos que indicam a tortura. A versão considerada pelos desembargadores é a íntegra da gravação.
Sete pessoas foram acusadas de envolvimento no assassinato:
- Airton Bardelli dos Santos
- Francisco Sérgio Cristofolini
- Vicente de Paula
- Osvaldo Marcineiro
- Davi dos Santos Soares
- Celina Abagge
- Beatriz Abagge
Na época, as investigações apontaram que Beatriz Abagge e a mãe dela, Celina Abagge, então primeira-dama de Guaratuba, teriam encomendado a morte do menino em um ritual. Elas passaram mais de cinco anos na cadeia.
Outras cinco pessoas foram incriminadas, entre elas, Davi e Osvaldo, que também foram presos acusados de sequestrar e matar o garoto.
O caso teve cinco julgamentos diferentes. Um dos tribunais do júri, realizado em 1998, foi o mais longo da história do judiciário brasileiro, com 34 dias.
Na época, a Beatriz e Celina foram inocentadas porque não houve a comprovação de que o corpo encontrado era do menino Evandro.
O Ministério Público recorreu e um novo júri foi realizado em 2011. Beatriz, a filha, foi condenada a 21 anos de prisão. A mãe não foi julgada porque, como ela tinha mais de 70 anos, o crime prescreveu.
As penas de Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos se extinguiram pelo cumprimento. O último réu, Vicente de Paula, morreu por complicações de um câncer em 2011 no presídio onde estava.
Processo
Caso Evandro: Mizanzuk exibiu no programa áudios das confissões feitas sob tortura — Foto: Reprodução/Globoplay
Dos áudios publicados pelo jornalista, apenas uma parte do depoimento de Beatriz Abagge tinha sido anexada ao processo contra os acusados. Os trechos usados na investigação, no entanto, aparecem cortados.
Na época, o caso ficou conhecido como “Bruxas de Guaratuba”. Segundo a acusação do MP-PR, o crime tinha sido encomendado por Beatriz e Celina Abagge, filha e esposa do então prefeito da cidade.
Desaparecimento de Evandro
Menino Evandro desapareceu em 6 de abril de 1992 — Foto: Reprodução RPC TV
O menino Evandro desapareceu em 6 de abril de 1992. À época, o Paraná vivia o desaparecimento de diversas crianças na região.
Segundo a investigação, ele estava com a mãe, Maria Caetano, funcionária de uma escola municipal de Guaratuba, e disse a ela que iria voltar para casa após perceber que havia esquecido o mini-game. Depois disso ele nunca mais foi visto.
Após um corpo ser encontrado em um matagal, no dia 11 de abril de 1992, o pai de Evandro, Ademir Caetano, afirmou à época no Instituto Médico-Legal (IML) de Paranaguá ter reconhecido o filho, por meio de uma pequena marca de nascença nas costas.
Conforme informações da época, o corpo estava sem o couro cabeludo, olhos, pele do rosto, partes dos dedos dos pés, mãos, com o ventre aberto e sem os órgãos internos.
Ademir Caetano também era funcionário público da cidade, ele trabalhava na prefeitura de Guaratuba. Maria e Ademir tinham outros dois filhos, Márcio e Júnior. Evandro era o caçula.
Fonte: G1